sábado, 20 de junho de 2015

Lava-Jato põe na cadeia cúpula de grandes empreiteiras

Detidos na 14ª fase da operação incluem presidentes da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, que teriam participado do esquema de propinas na estatal. Juiz manda bloquear até R$ 20 milhões de investigados

postado em 20/06/2015 07:00 / atualizado em 20/06/2015 07:48
Jair Amaral / EM / D.A Press - Tânia Rego / Agência Brasil

Na 14ª fase da Operação Lava-Jato, deflagrada ontem, a Polícia Federal (PF) prendeu presidentes e executivos das construtoras Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez. A estimativa é de que as duas das maiores empreiteiras do país tenham pago pelo menos R$ 710 milhões em propinas nos contratos com a Petrobras. Investigadores afirmaram que os presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, participavam do esquema de corrupção e tinham conhecimento de tudo. Eles são investigados por corrupção, formação de cartel e fraude a licitações, entre outros crimes.
Batizada de Erga Omnes, um recado de que a lei vale para todos os homens, a 14ª fase da Lava-Jato envolveu a execução de 59 mandados judiciais em Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Dos 38 mandados de busca e apreensão, dois ocorreram em Belo Horizonte, na sede da Andrade Gutierrez, no Bairro Cidade Jardim, Região Centro-Sul. Foram cumpridos 12 mandados de prisão. Em BH, foi preso Elton Negrão, executivo da Andrade Gutierrez. Todos os detidos foram levados para carceragem da PF em Curitiba. A Justiça também decretou o bloqueio de até R$ 20 milhões das contas de 10 dos investigados.


A força-tarefa da Lava-Jato estima que R$ 510 milhões em propina tenham sido pagos pela Odebrecht e R$200 milhões pela Andrade Gutierrez em contratos da estatal. Segundo o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, as duas empreiteiras capitaneavam o esquema de cartel na Petrobras e mantinham contas no exterior para pagar propinas a funcionários da estatal. Em delação, os ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Pedro Barusco afirmaram ter recebido dinheiro no exterior da Odebrecht e de empresas ligadas à construtora.

Com a ajuda de colaboradores, investigadores identificaram endereços estrangeiros (Suíça, Panamá e Mônaco) usados pelas empreiteiras para fazer pagamentos e emitir notas. “Era um esquema com um nível de sofisticação maior”, disse o procurador. Diferentemente das demais empreiteiras investigadas, que contavam com doleiros como Alberto Yousseff, as duas construtoras usavam empresas offshore (que têm contabilidade em país diferente daquele em que exercem a atividade) em diversos países, dificultando a identificação das irregularidades.


“São uma série de tipos de provas que, somadas, tornam pouco razoável que eles não tivessem conhecimento e participação no esquema”, afirmou o delegado da PF Igor Romário de Paula, que citou a presença de transferências bancárias, depoimentos e e-mails entre as provas dos crimes. Ele reforçou que os executivos das empresas sabiam de todo o esquema e não tomaram qualquer atitude para combatê-lo. Os valores dos contratos sob investigação somam R$ 26 bilhões.

Prova em e-mail Em mandado de prisão da Erga Omnes, o juiz federal Sérgio Moro, à frente da Lava-Jato, cita prova material de pagamento de propina pela Odebrecht com conhecimento da direção. Trata-se de um e-mail repassado ao presidente da empresa e outros quatro executivos sobre o superfaturamento em contrato de operação de sonda da Petrobras. “É indicativo do envolvimento da cúpula diretiva e que os desvios não decorreram de ação individual, mas da política da empresa”, afirmou Moro, que cita ainda suborno de US$ 300 mil para Pedro Barusco, em 2013, pago por empresa ligada à Odebrecht.
Além dos presidentes das empresas foram presos o ex-diretor da Odebrecht João Antônio Bernardes e, ligados à mesma empreiteira, Alexandrino de Salles, Cristiana Maria da Silva Jorge, Márcio Faria da Silva, Rogério Santos de Araújo e  César Ramos Rocha. Já na Andrade Gutierrez, foram cumpridos mandados também contra Antônio Pedro Campelo de Souza e Flávio Lúcio Magalhães e o ex-executivo da empresa Paulo Roberto Dalmazzo, que se entregou à PF à noite.


Na manhã de ontem, a PF fez busca e apreensão na sede da Andrade Gutierrez em BH. Foram quase oito horas de operação e os policiais saíram da empresa com dois malotes e uma caixa. Segundo uma testemunha convocada para acompanhar o trabalho, o servente Romildo da Silva Pereira, de 26 anos, a PF recolheu documentos, computadores, R$15 mil e um revólver calibre 32.

Defesa O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa afirmou em delação que a empreiteira pagava propina ao PMDB e ao PP em contratos da área de abastecimento. Em nota, a empresa informou “não ter qualquer relação com os fatos investigados pela Operação Lava-Jato”. Também reiterou colaborar com as apurações. “Este tem sido, inclusive, o procedimento da companhia desde o início das investigações, atendendo a convocações da Justiça ou comparecendo voluntariamente para apresentar documentos e prestar esclarecimentos, causando estranheza as prisões”, diz o texto.


A Odebrecht, uma das empresas mais combativas contra as decisões de Moro, confirmou que foram cumpridos mandados de busca e apreensão em seus escritórios em São Paulo e no Rio de Janeiro e “alguns mandados de prisão e condução coercitiva”. “Como é de conhecimento público, a CNO (Construtora Norberto Odebrecht) entende que esses mandados são desnecessários, uma vez que a empresa e seus executivos, desde o início da Lava-Jato, sempre estiveram à disposição das autoridades para colaborar com as investigações”, diz nota da empreiteira.

Contratos de R$ 41,2 bilhões


Os contratos das empreiteiras Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez com a Petrobras atingem o valor de R$ 41,2 bilhões. A informação consta no despacho do juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos referentes ao esquema de corrupção na petroleira. O magistrado não faz menção ao período de vigência dos contratos. Apenas a Odebrecht abocanhou R$ 33,9 bilhões. Os outros R$ 7,3 bilhões se referem às contratações firmadas com a Andrade Gutierrez. As duas empresas são os principais alvos da 14ª fase da Operação Lava-Jato, deflagrada ontem.

De acordo com o despacho judicial, há obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) cujas licitações teriam sido fraudadas pelo cartel de empreiteiras. A investigação apontou correspondência do resultado da concorrência com o verificado nas tabelas apresentadas à Justiça Federal pelo executivo Augusto Mendonça, da Toyo Setal, e também nas planilhas apreendidas na construtora Engevix, também envolvida na Lava-Jato.

“Há, pelo que se verifica na análise sumária, suficiente prova da participação da Odebrecht e da Andrade Gutierrez no cartel das empreiteiras e no ajuste dos resultados das licitações. Outra questão diz respeito à prova do pagamento por elas de vantagens indevidas aos dirigentes da Petrobras”, afirma Sérgio Moro. Os contratos analisados na investigação da Polícia Federal somam R$ 26 bilhões.

Além dos contratos com a Petrobras, juntas, as duas construtoras receberam, do governo federal, durante a gestão da presidente Dilma Rousseff, pelo menos R$ 6,3 bilhões, excluindo os seis primeiros meses deste ano. De acordo com dados do do próprio governo, no período, foram repassados pelo menos R$ 4,8 bilhões para a Odebrecht e R$ 1,5 bilhão para a Andrade Gutierrez.

Nas eleições de 2014, a Odebrecht doou R$ 39,9 milhões para comitês financeiros de 15 partidos políticos: PV, SD, PT, PMDB, PRB, PSD, PP, PPS, DEM, Pros, PSB, PSDB, PR, PTC e PSC. A empreiteira doou mais R$ 8,5 milhões diretamente para candidatos, entre eles, Dilma Rousseff, que recebeu R$ 3 milhões, e Aécio Neves, cuja doação chegou a R$ 1 milhão. A Andrade Gutierrez repassou R$ 70 milhões no pleito do ano passado. Desse total, R$ 62,8 milhões foram destinados a comitês financeiros de PSD, PT, PMDB, PSDB, SD, PSC, PSB, PR, PRB e PV. O restante foi direcionado diretamente aos candidatos.

Obras O chefe da Casa Civil, ministro Aloizio Mercadante, não acredita que a nova fase da Operação Lava-Jato acarretará problemas para as obras de infraestrutura do governo federal. Além do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Executivo lançou, há duas semanas, um robusto pacote de concessões, orçado em quase R$ 200 bilhões. “Se as empresas não forem consideradas inidôneas, poderão participar de qualquer investimento e de qualquer nova iniciativa”, declarou. Mercadante, no entanto, não quis comentar a prisão dos executivos. “Não tenho como comentar porque não li as razões da prisão nem sei quem são essas pessoas”, desconversou, após participar de reunião com empresários para preparar o encontro Brasil-Estados Unidos.

Para o juiz Sérgio Moro, o fato de as empresas não estarem impedidas de negociar com o governo, entretanto, mantém a porta aberta para que reincidam em crimes de corrupção. “As empreiteiras não foram proibidas de contratar com outras entidades da administração pública direta ou indireta (…) gerando o risco de reiteração das práticas corruptas, ainda que em outro âmbito”, afirmou o juiz em despacho da Lava-Jato. (Com informações de Paulo de Tarso Lyra)

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