Protógenes: criam investigação para ajudar bandido
Lula Marques/Folha
Na opinião do delegado Protógenes Queiroz, o inquérito aberto pela Polícia Federal para apurar a suspeita de grampos ilegais está enviesado.
Acha que tem cheiro de “retaliação” a ele, como investigador. E parece convicto de que vai resultar em socorro a Daniel Dantas, o investigado:
“A retaliação vem, mas a própria sociedade já identifica. A coisa ficou tão notória, tão absurda, que se criam investigações para produzir prova para o bandido”, disse.
Protógenes falou ao repórter Bruno Rocha Lima. A entrevista está publicada na edição desta quarta do diário goiano O Popular.
O delegado confirma ter recorrido aos préstimos do espião aposentado Francisco Ambrósio Nascimento, mas nega que a Satiagraha esteja contaminada por grampos ilegais.
Chega mesmo a lançar dúvidas quanto ao monitoramento de diálogo de Gilmar Mendes, do STF, com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO):
“Cadê o áudio? Só aparece uma transcrição? Cadê o áudio?”. Vai abaixo a entrevista:
- Sofreu retaliações dentro da PF pelo trabalho na Satiagraha?
A retaliação vem, mas a própria sociedade já identifica. A coisa ficou tão notória, tão absurda, que se criam investigações para produzir prova para o bandido. Não vou entrar no mérito se as investigações atuais da Polícia Federal estão destinadas a isso, mas a pretensão da defesa é que se colete os dados obtidos nas investigações que foram produzidas paralelamente que porventura venham a beneficiá-los no futuro, na investigação principal e na ação penal. Inclusive os advogados do Daniel Dantas já afirmaram que vão usar a participação de Francisco Ambrósio do Nascimento (servidor aposentado da Aeronáutica) nas investigações para invalidar as provas colhidas. Alegam que ele não faz parte dos quadros da Polícia Federal. Ele participou sim da operação, mas existe um dispositivo legal que prevê a figura do colaborador eventual. Mas ele ficou pouco tempo na operação, é um analista e desempenhou o papel dele a pedido nosso. A todo tempo ele cumpria expediente na sede da PF.
- E quanto às suspeitas de que grampo ilegal em Gilmar Mendes?
Posso lhe afirmar que a reportagem que foi lançada nos órgãos de imprensa afirmando que houve escuta ilegal e que as suspeitas recaem nos agentes que integraram a Satiagraha é mentirosa. Todas as escutas que fizemos foram autorizadas e nosso sistema é inclusive auditado. Todas nossas escutas estão de posse da Justiça Federal e são controladas pelo Ministério Público Federal. O próprio órgão de imprensa que deu o furo de reportagem não demonstrou o áudio. Cadê o áudio? Só aparece uma transcrição? Cadê o áudio? E envolve duas pessoas importantes da República, o presidente do STF e o senador Demóstenes Torres. Como que lança o nome de duas pessoas dessa forma e não aparecem as provas?
- Acha a divulgação do diálogo foi uma manobra para desmoralizar a Satiagraha?
Se você observar historicamente os dados que a imprensa vem lançando no caso do Daniel Dantas, é um processo progressivo. Não vou entrar no mérito, porque isso é alvo de investigações, mas posso lhe dar um caminho, porque é de fonte aberta. É só você entrar no Google e pesquisar as investigações do Daniel Dantas em Nova York, em Cayman e na Itália, e ver como se comportaram o Judiciário e as procuradorias destes países. Você pode ver como ele realizou a defesa dele nesses países. Então não é supresa pra mim o que está ocorrendo aqui no Brasil.
- Daniel Dantas usou manobras desta natureza em outras ocasiões?
O que está ocorrendo aqui não é surpresa. Inclusive, isso é bem retratado na investigação. Mas não posso dar detalhes porque está coberto pelo sigilo. E para as autoridades que trabalham no caso, como o juiz Fausto de Sanctis, e outros, não é surpresa nenhuma esse tipo de artifício.
- Dantas teria poder para produzir fatos dessa magnitude?
Não vou lançar esse tipo de indício, que teria sido A, B ou C, porque não há identificação. Agora, que é grave, isso é. Existe o nome de duas pessoas importantes envolvidas. Entendo que isso, (enfático) isso que tem que ser investigado. Não a intenção, porventura, da defesa de buscar dados que possam favorecer o processo principal do Daniel Dantas e também a investigação que está em curso. O que a investigação tem que mostrar é a gravidade do nome de duas pessoas importantes ser lançado na imprensa sem nenhum critério de verdade.
- Acha que houve inversão no debate sobre as investigações?
Hoje, o que se discute é a conduta dos investigadores. Não se discute mais o investigado principal. E nem os fatos que porventura estão em torno dele, que são mais graves que a figura central dele. E o próprio investigado tem noção disso, senão não estaria fazendo toda uma estratégia de trabalho nesse sentido. Estava já voltando o foco para o investigado e os fatos em torno dele e aí se criou outro fato. E acredito que outros virão.
- Debate sobre algemas também foi foco de distração?
Prefiro não entrar no mérito. Recomendo a você fazer a pesquisa em fonte aberta sobre o que ocorreu com relação aos processos do Daniel Dantas em outros países e você verá nitidamente o que está acontecendo no Brasil.
- Concorda com as restrições ao uso das algemas?
Entendo que é uma decisão da Suprema Corte e tem de ser respeitada. Mas, como cidadão, entendo que foi uma decisão casuística. Foi na semana que se discutia a investigação do Dantas, o uso ou não de algemas com ele. Quando pobre é algemado, não se discute. Mas quando rico é algemado, aí cria isso. A população não foi consultada.
- Como se viu saindo da condição de herói para um quadro em que seu trabalho passou a ser duramente questionado?
Dá um pouco de tristeza de ver algumas posições sem muita clareza e sem muita explicação para o que se pretende. Mas, por outro lado, são atitudes que cada vez mais me enchem de vontade de persistir no trabalho de combater a corrupção. Na Satiagraha, fiquei uma semana trancado numa sala à base de biscoito e café. Fiquei com seqüelas da operação, passei alguns dias gago e com perda temporária de memória. Mas, se me dediquei muito naquela ocasião, agora vou trabalhar dobrado.
Escrito por Josias de Souza às 20h15